“Mais tarde – quando aconteceram as coisas que eles nunca poderiam ter imaginado – ela escreveu-lhe uma carta que dizia: Quando é que vais aprender que não existem umas palavras para tudo?” (Nicole Krauss, A História do Amor, p. 21).
Wednesday, December 27, 2006
Aforismos extraídos de um manuscrito antigo (I)
É preciso inventar (não reinventar) tudo desde o início. O saber existe mas está perdido em palavras que só têm sentido dentro de outras palavras: talvez estas últimas sejam diabólicas.
O verdadeiro desejo é o esvaziamento de uma memória. Contém em si o que não existe em lugar algum: é a cerimónia de nada, de nenhum lugar.
Uma mulher, um livro, uma história. Que conta a saída e a entrada da mulher no livro – e, porque aqui não há identidades – do livro na mulher. Tal é a vida, tal é a escrita.
O único caminho possível consiste em saber avaliar. Essa é a grande sabedoria, na condição de não se tornar uma técnica.
É quando o fim se aproxima que tudo parece estar pronto a começar. Que estranho mundo se condensa nesta máxima!
O verdadeiro desejo é o esvaziamento de uma memória. Contém em si o que não existe em lugar algum: é a cerimónia de nada, de nenhum lugar.
Uma mulher, um livro, uma história. Que conta a saída e a entrada da mulher no livro – e, porque aqui não há identidades – do livro na mulher. Tal é a vida, tal é a escrita.
O único caminho possível consiste em saber avaliar. Essa é a grande sabedoria, na condição de não se tornar uma técnica.
É quando o fim se aproxima que tudo parece estar pronto a começar. Que estranho mundo se condensa nesta máxima!
Tuesday, December 26, 2006
Escrever
Não há escrita sem libertação do mundo, mas também não existe sem libertação do literário. Mundo e literatura são duas ordens de dominação às quais corresponde sempre um certo desejo de submissão. A submissão é a condição normal da existência e da constituição do eu. Pode-se ser um homem do mundo, ou um homem da literatura. Em ambos os casos estamos a ser constituídos por uma ordem imaginária que, no fundo, desejamos ardentemente.
Por isso, a escrita nunca trouxe felicidade a ninguém. É que não existe escrita pura, apenas escrita mundana ou escrita literária, ou seja, escrita que realiza um desejo eternamente alheio a si mesma. Escrever como entrar numa ordem, eis uma lei absoluta e incontornável.
Ao fim de muitos anos, sinto-me tão cheio de ordem que continuar a escrever é, simplesmente, impossível. No entanto, deixar de escrever é igualmente impossível porque seria ainda um acto de submissão. A saída óbvia é a desconstrução. Mas a desconstrução não dá senão as razões ocultas da construção. Isso parece-me insuficiente. Deve haver algo de mais profundo do que essas razões, algo que não seja da ordem do motivo. Uma escrita pura, inexistente, uma escrita branca que, paradoxalmente, só existe muito depois da escrita, como sobreposição infinita de camadas de tinta, de palavras, de pensamentos, de sensações, num palimpsesto que, por ser infinito, não é já feito de camadas, mas de agregados dispersos, de cristais que têm o rosto de Deus e o sabor da pele do corpo mais amado.
Escrever, então, para preencher um vazio que nasce da própria escrita, e que é, em tudo idêntico ao preenchimento absoluto. Inscrever a própria condenação no coração da escrita que, por isso, se torna algo de distinto da simples escrita; matéria pura, sem memória nem projecto, linha após linha, sinal após sinal, um contínuo indiferente ao abismo que narra para si mesmo as mais voluptuosas experiências, inteiramente alheias.
Como tudo isso é cansativo! Um pouco menos, talvez, do que simplesmente esperar a morte.
Por isso, a escrita nunca trouxe felicidade a ninguém. É que não existe escrita pura, apenas escrita mundana ou escrita literária, ou seja, escrita que realiza um desejo eternamente alheio a si mesma. Escrever como entrar numa ordem, eis uma lei absoluta e incontornável.
Ao fim de muitos anos, sinto-me tão cheio de ordem que continuar a escrever é, simplesmente, impossível. No entanto, deixar de escrever é igualmente impossível porque seria ainda um acto de submissão. A saída óbvia é a desconstrução. Mas a desconstrução não dá senão as razões ocultas da construção. Isso parece-me insuficiente. Deve haver algo de mais profundo do que essas razões, algo que não seja da ordem do motivo. Uma escrita pura, inexistente, uma escrita branca que, paradoxalmente, só existe muito depois da escrita, como sobreposição infinita de camadas de tinta, de palavras, de pensamentos, de sensações, num palimpsesto que, por ser infinito, não é já feito de camadas, mas de agregados dispersos, de cristais que têm o rosto de Deus e o sabor da pele do corpo mais amado.
Escrever, então, para preencher um vazio que nasce da própria escrita, e que é, em tudo idêntico ao preenchimento absoluto. Inscrever a própria condenação no coração da escrita que, por isso, se torna algo de distinto da simples escrita; matéria pura, sem memória nem projecto, linha após linha, sinal após sinal, um contínuo indiferente ao abismo que narra para si mesmo as mais voluptuosas experiências, inteiramente alheias.
Como tudo isso é cansativo! Um pouco menos, talvez, do que simplesmente esperar a morte.
Paixões e singularidades
A paixão é a vivência da singularidade. A singularidade é a impossibilidade da paixão no singular. Paixões e singularidades é a materialização do infinito singular.
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